segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Quero amar-te mas tenho medo


Descobri que estava grávida num lindo dia de sábado em que regressava de uma viagem a Sevilha e na segunda-feira seguinte, ainda na turbulência das emoções (era uma gravidez desejada e planeada, mas que veio bem mais rápido do que esperava), fui surpreendida por uma enorme hemorragia. Na consulta de urgência (ginecologia) informaram-me que estava grávida de 11 semanas e meia mas que tinha um enorme descolamento de placenta. Recomendaram-me que continuasse a minha vida normalmente porque “o que tivesse que acontecer, aconteceria”. Valeu-me a consulta com a minha médica obstetra no dia seguinte que (apesar de muito pouco esperançosa, confessou-me ela mais tarde) decidiu que tudo faríamos para que a gravidez se mantivesse e o bebé nascesse.

Seguiram-se quatro meses de repouso absoluto, em que me sentava apenas para comer e me levantava apenas para ir à casa de banho e me deslocar às consultas. Não tinha dores, não me sentia doente nem enjoada, apenas tinha que ficar sossegada. Foi um verdadeiro desafio sentir-me novamente dependente do apoio dos outros, mas o maior desafio foi na verdade saber como amar este bebé.

Queria muito ser mãe e acreditava (sei que as opiniões divergem muito mas isto é o que sinto) que a vida daquele pequeno ser tinha começado a partir do momento da conceção. E que a partir desse momento se iniciara um processo de desenvolvimento que acontecia a uma velocidade incrível e que a cada segundo que passava, era registada e processada informação.

Apesar dos meus 29 anos, sentia-me completamente inexperiente. O risco enorme de perder o meu bebé trouxe-me um medo terrível do apego. “Eu amo-te mas tenho medo, não me quero apegar demasiado a ti, porque se te perder vou sofrer muito!” Ao mesmo tempo tinha um sentimento de culpa enorme porque acreditava (e ainda acredito) que todo o ambiente intra-uterino e o estado físico e emocional da mãe influenciam o desenvolvimento do bebé. Segundo a epigenética o ambiente intra-uterino tem mesmo um maior impacto no nosso valor humano do que os nossos genes.

Com o decorrer do tempo fui aprendendo a amar incondicionalmente este ser que nascia em mim. Sem pensar no futuro, mas pensando em cada momento vivido, mesmo que dentro da minha barriga. Fui aprendendo a acreditar que independentemente do desfecho da história, cada momento de amor valia a pena. Acreditei sempre que iria correr tudo bem, mas fui também aprendendo a praticar a aceitação do que viesse. Muito graças ao infindável apoio familiar, ao apoio da minha médica e ao extraordinário apoio da enfermeira que me preparou para o parto.

Sinto que hoje teria ainda mais ferramentas para lidar com esta situação e tenho um respeito enorme pelas mães (e pais) que passam por situações semelhantes. Sei também que é gritante a falta de apoio e a frieza com que muitas vezes têm que lidar.


Sou uma abençoada, eu sei, porque a minha história “terminou” muito bem. A minha filha L. nasceu às 39 semanas, saudável e sem qualquer problema. Tem hoje 12 anos e é a estrela da minha vida.

Artigo originariamente publicado na plataforma Mães.pt: http://www.maespontopt.pt

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Que nunca fiquem palavras de amor por dizer...



As palavras traduzem o gesto e o gesto as palavras.
Tantas vezes a vida nos torna mudos do que sentimos e do que esquecemos de dizer. Haja quem nos lembre, haja quem nos ame e nos diga sem reticências.
Que não faltem palavras para aquecer o coração frio. Que não faltem palavras para embalar o sono e o sonho. Que não faltem palavras que adocem o amargo da vida.
Que não faltem palavras de amor e que nunca fiquem por dizer.

Hoje recebi este "frasco mágico" da minha filha L. Assim do nada! Entregou-me e disse: "quando estiveres mais triste retira um papelinho e lê. Cada papelinho (consoante a cor) tem: razões porque és a melhor mãe do mundo; porquê tu e os nossos momentos mais felizes."  
As palavras quando vêm do coração, têm um efeito mágico em quem as lê. Que elas  nunca fiquem por dizer. 

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O que eu (mãe) aprendi com o Ensino Waldorf

Acredito que são os professores (e os restantes colaboradores) que fazem a Escola, seja pública ou privada. Acredito que cada criança é uma criança e que não existem metodologias ou pedagogias que sejam perfeitas ou que sirvam a todas de igual maneira. Acredito também que as experiências que temos são únicas, naquele momento e naquele contexto. Esta foi a minha!
A minha filha L. tinha 6 meses e eu regressara ao trabalho. Os avós estavam perto, mas sempre achei que deveriam manter a sua vida ativa, dando algum apoio, mas sem ficarem dependentes da nova neta que nascia. Na procura de escolas perto de casa e da empresa, encontrámos (no meio de um turbilhão de escolas muito bem equipadas e cheias de atividades… mas também muito barulhentas e confusas!) uma escola simples, com recreio em terra e com árvores, com poucos brinquedos convencionais, cores suaves e materiais naturais. No primeiro contacto, observei um grupo de crianças sorridentes em roda da educadora que cantava e cortava uma maçã à medida que a distribuía. Senti paz e amor. Senti-me em casa.
Sempre adorei a natureza e aquela escola foi como se trouxesse um pouco do meu Alentejo e da minha Beira Baixa para o meio da cidade, mas não era nem sou vegetariana nem conhecia nada da Pedagogia Waldorf.
Podia contar todo o percurso que a L. teve nesta escola (onde esteve dos 6 meses aos 6 anos) e na escola que se seguiu, também de inspiração Waldorf (onde esteve dos 6 aos 10). Ela explicar-vos-ia como teve tempo para brincar livremente; como aprendeu a respeitar e a cuidar da natureza; como aprendeu a inventar brincadeiras do nada; como se sentiu livre a subir às árvores, a brincar na areia ou a passear na floresta; como se sentiu criativa nos projetos que fez, como aprendeu a acordar o corpo com as “rodas da manhã” e a agradecer as refeições feitas com os produtos da horta; como aprendeu sem TPCs obrigatórios e sem testes até ao 4ºano e como se sentiu acompanhada e amada pelos professores e colaboradores da escola.
Mas hoje a voz é minha… quero contar-vos o que eu aprendi enquanto mãe.
Aprendi a viver com mais calma o crescimento da minha filha, a celebrar cada etapa e a não querer apressar nada. Aprendi eu própria a viver com maior tranquilidade, a saber olhar de novo para mim, para a criança que fui.
Aprendi a viver mais no momento presente e a pensar “o que quero para a minha filha agora”, sem me preocupar tanto com o que aconteceria no futuro.
Aprendi que os professores, tal como cada ser humano, não são “perfeitos”, mas que quando se ensina por e com amor, tudo vai fluindo a seu jeito. Aprendi a confiar e a ajudar quando a estrutura da escola não era de longe a que eu esperava e a celebrar por cada raiz criada e etapa ultrapassada.
Aprendi que é possível viver sem o stress dos inúmeros trabalhos de casa e da exigência dos testes e ainda assim ter uma avaliação individual, profunda, holística do desenvolvimento da minha filha. Aprendi que é possível frequentar uma escola Waldorf e ter uma adaptação tranquila ao ensino “tradicional”

(Re)Aprendi a viver a magia, o sonho, a natureza, a beleza das coisas simples e aprendi, acima de tudo, a confiar na minha intuição. 

Texto originariamente publicado na plataforma http://www.maespontopt.pt

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

A tua filha deve ser uma santa!

“Deves pensar que a tua filha é uma santa porque tu nunca lhe bates e eu já fui batida muitas vezes!”

Foi esta a frase que ouvi de uma criança de nove anos que brinca e convive frequentemente com a minha filha. No instante achei alguma piada, mas logo interiorizei a mensagem profunda que aquela criança estava a passar… a mim e espero eu, a quem lhe bate.

Acredito profundamente que todas as crianças nascem com uma genuína santidade. Acredito também que não se tornam santos ou demónios pelo número de traquinices que fazem ou pelas tareias que apanham. Mas estremeço ao pensar que uma criança se possa sentir assim e nas implicações que isso pode ter no seu desenvolvimento pessoal e social. E é por isso que devemos parar e pensar naquilo que nos dizem nas entrelinhas.

Sei que o bater resulta, é certo. A curto prazo, porque impede o “comportamento indesejável”. Inúmeros estudos indicam que a longo prazo os efeitos não são benéficos. Existem vários, aliás, a relacionar a punição corporal e psicológica com falhas no desenvolvimento intelectual, atitudes irascíveis, aceitação da violência como forma de lidar com os outros, falta de autoconfiança e de amor-próprio, insegurança.

Bater não transmite orientação positiva sobre como se comportar numa situação particular, apenas como não se comportar se uma ameaça de punição estiver presente. As crianças aprendem os motivos das suas ações pelo que ouvem, mas a prática ativa tem o impacto mais profundo. De algum modo estamos a demonstrar aos nossos filhos que a violência é aceitável quando os outros não fazem o que nós queremos.

Seja qual for a desculpa ou a situação, sejamos objetivos: bater é um ato de violência. E do ponto de vista científico e humanístico, não existe hoje em dia um argumento válido que justifique o uso da violência contra as crianças, em nome da disciplina.

A Parentalidade é um caminho longo e muito trabalhoso. Gasta muito da nossa energia, exige atenção, paciência, repetição, conexão. Sei que os pais estão muitas vezes cansados, esgotados e frustrados. Sei também que mais do que o comportamento do filho é precisamente esse esgotamento que leva ao ponto de rutura – à palmada, ao bater. Mas também sei, por experiência própria, que existem alternativas que funcionam. E que é possível fornecer estrutura, regras, limites e consequências, sem sermos violentos com os nossos filhos.

Não quero julgar quem as dá, porque também eu já dei palmadas. Quando não conhecia outras ferramentas, quando estava demasiado esgotada para pensar em alternativas ou por sentir pressão do que os outros iriam pensar de mim.


Continuam, como é natural, a surgir situações em que me dá vontade de dar algumas, mas aprendi a respirar e a não pensar na palmada como solução. E é precisamente nesse momento de paragem entre a ação e a minha reação, que encontro sempre uma resposta eficaz. E não violenta. 

(texto publicado originariamente em www.maespontopt.pt)

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

A palmada... esse "Fastfood" da disciplina

Período de férias... em princípio de maior relaxamento e calma, muito conversa, muita brincadeira e um lindo dia de praia. As crianças brincam e fazem traquinices como habitual e ao lado uma delas "arma uma birra descomunal". O pai, até aí aparentemente tranquilo e relaxado, avisa-a para se calar algumas vezes, até que perde a calma e dá-lhe uma palmada e um pontapé no rabo. 

Quando temos falta de ferramentas - sejam elas de calma, paz, amor e quando sentimos demasiado o peso do que os outros podem pensar de nós, esquecemos facilmente a nossa intenção.

E recorremos ao"fastfood"...

O "fastfood" funciona, mata perfeitamente a fome, de forma rápida e eficaz. Mas será aquilo que melhor me nutre (e aos meus filhos)? Será que tenho alternativas que sei no meu intimo, que são melhores para me/os alimentar se quero um desenvolvimento saudável?

Certo é que consigo cozinhar de forma mais saudável e com mais amor, quando tenho outras ferramentas ao meu dispor - para além dos "ingredientes" certos, mais calma, maior organização, mais tempo e dedicação.

Chamo à palmada (ao estalo, ao pontapé...) o "fastdiscipline" - fasfood da disciplina! Funciona sim. A curto prazo normalmente pára o comportamento. Mas a longo prazo não nutre o meu filho. Não me nutre. Não acrescenta. Corrói.

Educar os nossos filhos dá trabalho e exige dedicação, questionamento, desenvolvimento interior. Na maior parte das vezes estamos esgotados, cansados, sem paciência para ruído, traquinices e birras. Queremos resultados rápidos, disciplinadores (não educadores!), que funcionem na hora, mesmo que saibamos que existem alternativas que funcionam melhor, mesmo que não tão rápidas, mas que exigem presença, escuta, dedicação.

Também eu vivo muitas vezes esgotada, também eu como algumas vezes fastfood, também eu me sinto várias vezes tentada ao "fastdiscipline". Mas quando isso acontece, tenho bem presente a minha intenção.

E tu, como queres "nutrir" os teus filhos e a ti?

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Os netos que somos


Tenho na alma a memória da avó que não cheguei a conhecer mas sobre quem ouvi tantas histórias, entre as quais a do seu nome invulgar que sempre me fascinou - Fraternidade. Tenho comigo a sina de por poucos meses ela não me ter pegado ao colo, mas o sentimento da sua protecção desde que nasci.

Tenho na alma o sorriso sereno do avô Carlos que me acompanhou de perto, a canção do soldado, as histórias do gigante, a franja cortada na barbearia, o frango à espanhola como não há igual, a resistência de quem doente viveu até tão tarde e aquela imagem do banco do jardim, onde esperava por nós e pelo que trazia a vida, no troçar sereno que a idade lhe permitia.

Tenho na alma a vida da avó Beatriz e sinto o seu abraço como se fosse ontem. Tenho o cheiro dos pinheiros da  aldeia, o som das suas cantigas e o sabor da sua sopa, dos pastéis de bacalhau, do queijo fresco e das farófias que ninguém faz como ela fazia. Sinto nos pés a terra da sua horta e na boca a laranja colhida e refrescada no poço. Olho para a vida com a surpresa e a expectativa com que abria a canastra cheia que mandava pelo autocarro. E ainda olho para as estrelas como ao lado dela olhava para o céu, deitada no panal.

Tenho na alma a alegria do meu avô Manuel, dos seus foguetes únicos, das suas histórias de guarda e da sua capacidade de apreciar as coisas bonitas. Tenho a memória das fogueiras, da matança do porco e da adega. Faço por ter a sua resistência, a sua força de vontade e também a sua aceitação quando preciso.

Os avós partem mas deixam-nos marcas cravadas na alma e no coração. Os meus deixaram-me muito amor. Com as suas partidas senti sempre que parte da minha criança interior também morria. Mas em verdade, o que descobri é que é precisamente com a sua memória que a minha criança interior renasce.

Os avós que tivémos fazem os netos que somos. E é com eles e com a sua protecção que desço sempre à terra. Que me lembro do barro com que sou feita. Que me lembro do que sou e de onde vim!

O meu filho não me escuta... como melhorar a comunicação entre pais e filhos



Desde muito cedo que aprendemos a comunicar de modo muito natural, pronunciando as primeiras palavras ainda antes de completarmos um ano de vida. Parece por isso quase um contrassenso querermos aprender a fazer algo que na realidade já fazemos. A verdade é que falamos muito, mas temos regra geral, uma grande dificuldade em manifestarmos os nossos pensamentos, expressarmos os nossos sentimentos e ao mesmo tempo compreendermos os dos outros. Quando falamos de comunicação entre pais e filhos… aí ainda se torna mais complicado e todos nós passamos por esse desafio…
Uma das regras básicas para comunicarmos de forma mais consciente com os nossos filhos é muito simples: basta lembrarmo-nos como gostamos que comuniquem connosco! Como me sinto quando não sou escutada, quando não posso exprimir os meus sentimentos, quando me dizem que não posso ter opinião?
Aqui ficam então algumas sugestões de como podemos melhorar a comunicação com os nossos filhos:
1.            Conecta-te
A conexão é a base de toda a comunicação consciente. Funciona como um túnel de ligação - quanto mais largo for o “túnel”, mais a comunicação flui. Quanto mais estreito for (quanto menor for a conexão), mais a comunicação será difícil. Para criar conexão lembra-te mais uma vez de como gosta que falem para si: aproxima-te ao nível do teu filho, olha-o nos olhos e interessa-te pelo que está a fazer.
2.            Está presente com atenção e com o coração
As crianças percebem perfeitamente quando estamos atentos ao que dizem ou quando apenas fingimos que estamos. Para o que estás a fazer e dedica-te totalmente a escutá-lo.
3.            Escuta
Escuta com os ouvidos, com os olhos e com o coração. O que o teu filho te “diz” vai muito para além das palavras.
4.            Evita interferências
Estamos pouco habituados a escutar sem intervir e na maior parte das vezes o que os nossos filhos mais precisam é que alguém os ouça: sem críticas, sem julgamentos, sem opiniões. Quando intervimos em demasia: “porque é que não fazes assim…”; “eu tinha logo feito isto e aquilo…”, “já sabia que isso ia acontecer…” não promovemos a responsabilidade e a autoestima e a mensagem subliminar é a de eles não são suficientes, a de que nós faríamos melhor e mais rápido”. Se o teu filho quiser a tua opinião, ele vai pedi-la!
5.            Sê objetiva
Quando falares com o teu filho tenta ser clara e usar poucas palavras. As crianças percebem quando estamos com rodeios. Não te repitas muito.
6.            Sê congruente
As palavas que dizemos têm um impacto pequeno comparado com o tom que utilizamos e com toda a linguagem não verbal que exprimimos. Quando dizemos algo em que não acreditamos, essa incerteza revela-se e as crianças percebem-no muito bem.
7.            Assume a responsabilidade
Exprime aquilo que sentes e o que queres de forma clara, usando uma linguagem pessoal e assumindo a responsabilidade. O modo como olhamos para as situações está relacionado mais connosco do que com os outros – os nossos medos, frustrações e julgamentos. Aceitar a nossa vulnerabilidade, as nossas emoções e sentimentos é meio caminho andado para que o nosso filho identifique, aceite e aprenda a gerir melhor as suas próprias emoções e sentimentos, base fundamental para o seu desenvolvimento mais equilibrado e saudável.
8.            Pede apenas o que é possível
Tenta entender o ponto de vista da criança. Repetir-lhe que tem muita urgência porque tem uma reunião à qual não pode chegar atrasado, não significa muito para a criança. Sê clara nos teus limites e valores mas tenta sempre colocar-te no papel do outro.
9.            Acolhe as emoções
Acolher todas as emoções. As “boas” e as “más”. Quanto mais a criança se sentir segura para expressar os seus sentimentos e emoções, sejam eles quais forem, melhor se sentirá. As crianças (tal como os adultos) têm muitas vezes dificuldade em verbalizar as suas emoções e acabam por as exprimir através de comportamentos. Cabe-nos a nós adultos ajudar a criança a acalmar-se até que ela consiga fazê-lo por si mesmo.
10.          Dá-te um tempo

No impulso do momento, por vezes é difícil termos uma comunicação mais presente e alinhada com as nossas intenções. Por vezes uma pequena pausa é o suficiente para conseguirmos olhar para a situação com maior objetividade, com “mente de principiante” e menor julgamento. Sem misturar o que a criança “fez” com aquilo que a criança “é”. Uns segundos para respirar fundo antes de reagir fazem, na maior parte das vezes, uma grande diferença!
(artigo originalmente publicado no site http://www.maespontopt.pt/)

quinta-feira, 8 de junho de 2017

O teu corpo é o teu templo..,


Passado vários dias consecutivos stressantes e com noitadas de trabalho, lá consegui regressar às aulas de yoga às quais andava a faltar há duas semanas! Com o pouco tempo que tive  e querendo manter todas as tarefas em dia (excepto as minhas :)), nem a prática em casa teve melhor sorte.

Pratico yoga há alguns anos e para além de me fazer sentir melhor física e mentalmente (o que vai muito para além do tempo que passo no tapete),  é particularmente gratificante para mim a consciência corporal que me permite (em especial o Iyengar), a que eu chamaria um verdadeiro "mindfulness corporal".

Ontem, à hora de almoço e apesar de ter muita coisa ainda pendente no trabalho, disse basta! Impus o meu limite e lá sai para a aula. Estava na realidade muito cansada, mas cheia de vontade de ir. Adoro as aulas, a prática, a professora, o ambiente.

Dei o meu melhor como sempre tento fazer, mas algo não fluía. Posturas que faço  habitualmente sem grande dificuldade (e não, não faço na perfeição, tenho muuuuiiiito para aprender e praticar), não resultavam. E eu sentia no meu corpo. Escorregava, doía, faltava o alinhamento. Mas continuei a tentar.

Até que a professora que me observava (e que nada sabia da minha rotina stressante dos últimos dias) me perguntou: "Que se passa hoje Vanda? Estás esgotada, não estás?" e me mandou ir para as cordas descansar - o que na realidade significa ficar pendurada literalmente nas cordas de cabeça para baixo (o que, acreditem, faz maravilhas).

Hoje partilho esta história convosco, porque me ela me fez reflectir muito na magia do nosso corpo. Porque a experiência que eu tive na aula de yoga foi o meu corpo a reagir e a mostrar-me: tu não estás bem. Pára. Descansa. Respira. A vontade estava lá, o esforço físico também, mas o esgotamento da minha mente reflectia-se na consciência do meu corpo, no alinhamento, na fluidez e até na dor.

Quantas vezes nos arrastamos nas fases de trabalho stressante que na verdade não são "apenas uma fase"? Quantas vezes achamos que conseguimos fazer "multitasking" sem repercussões? Quantas vezes só cuidamos dos outros e nos esquecemos de cuidar de nós? E por último: na sequência de tudo isto, quantas vezes escutamos o nosso corpo?

Passamos a maior parte da nossa vida em esforço contínuo, a puxar por nós e pelas nossas capacidades, sem darmos conta que se não cuidarmos de nós, essas capacidades não são as mesmas.

Passamos a maior parte da nossa vida a acumular tarefas, a acreditar que conseguimos gerir tudo, sem darmos conta que na realidade, se não cuidarmos de nós, o focus em cada uma dessas tarefas é menor.

Acreditar que alguém em multitasking é mais produtivo é um mito da era moderna!

E, tal como me aconteceu na aula de yoga, ainda que eu ache que aguento mais e que tenho capacidade para acumular e fazer mais... em alguma coisa, em alguma situação, essa falta do cuidado comigo se vai reflectir. Eu tive a sorte de perceber isso através do meu corpo. E ele foi apenas um sinal da falta de consciência e presença que esse meu cansaço traz aos vários momentos do meu dia a dia.

Se eu não cuidar de mim, não vou ser capaz de trabalhar de forma eficiente e eficaz (mesmo que ache que consigo)!
Se eu não cuidar de mim, não vou conseguir cuidar dos outros da melhor forma!
Se eu não cuidar de mim, não vou conseguir ser a mãe presente que quero ser!

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Ser melhor mãe (e pai) é também saber parar...

Como é que posso parar se tenho tanto que fazer?
Como posso ficar em silêncio com tanto barulho à minha volta?
Como posso desligar o telemóvel se tenho que me manter contactável para trabalhar?
Como posso sair uns dias de casa se os miúdos são ainda pequenos?
Como posso faltar ao trabalho se estou com tantos projectos e responsabilidades em mão?
Como posso relaxar se sou eu que faço a comida, ponho a roupa a lavar, arrumo a casa, ajudo nos TPCs?...

Tantas vezes que me fiz estas e outras perguntas! Tantas vezes que me pareceu "impossível" abrandar o ritmo. Tantas vezes que achei isso um pequeno luxo de "quem não tem nada que fazer"!

Até que realizei:

Que estava tão esgotada no trabalho que já não tinha capacidade de focus...
Que me sentia tão absorvida pelas tarefas domésticas que me sentia revoltada por dentro...
Que queria estar sempre contactável mas que 50% das vezes ia instintivamente ao telefone só para ver "as novidades"...
Que não queria deixar a minha filha sozinha com medo que sentisse a minha falta, mas que ao divorciar-me me vejo obrigada a estar dias seguidos sem ela...
Que não posso faltar ao trabalho porque estou numa fase de muitos projectos, mas que a seguir a essa fase vem outra fase e outra e outra...
Que não quero deixar a minha família para estar sozinha a fazer algo que gosto para mim, mas que se tiver que estar fora em trabalho numa reunião internacional de uma semana, lá vou eu...
Que me queixo de não ter silêncio mas que na verdade ele me incomoda porque me obriga a olhar para dentro...
...

Passei os últimos 5 dias em silêncio e sem contacto com qualquer meio social.
Foram 5 dias como podia ter sido 1 dia, 1 hora ou até 5 minutos.
Foi num mosteiro como podia ter sido na aldeia dos meus avós, no parque da cidade ou sentada no meu carro.
Sei que a minha vida não é em silêncio, nem fechada num mosteiro. A vida é mágica e é para ser vivida em todo o seu esplendor. Mas é no contacto com os outros e com o nosso dia a dia, que o desafio de nos mantermos presentes e conscientes é maior! E cada vez tomo mais consciência que se eu não estiver bem comigo, não consigo estar bem para os outros. Que se não encontrar o que preciso dentro de mim, vou viver constantemente na expectativa de encontrar isso nos outros.

Já disse num post anterior que quando não paramos nós, a vida encarrega-nos de parar. 

Nem sempre preciso de 5 dias para me sentir mais consciente e presente (uffa! E ainda bem!). Às vezes basta uma hora, outras vezes cinco minutos. Regresso sempre melhor. Comigo e com os outros.

Nem sempre é impossível. Nem sempre é um luxo. Mas é sempre uma questão de escolha.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Essa mãe que não sou eu...


Essa mãe que não sou eu...
Acolhe-te em sua casa e abraça-te com carinho quando chegas e quando partes...
Abraça-te e beija-te quando mais precisas...
Aconchega-te a roupa, ajuda-te nos trabalhos, cuida de ti e chama-te a atenção quando necessário...

Essa mãe que não sou eu...
Faz com que a sua família te acolha como fazendo parte dela...
Deu-te o irmão que tanto querias e de quem tanto gostas...
Ensina-te tanta coisa e mostra-te um mundo diferente do meu...

Essa mãe que não sou eu...
Não te gerou nem te escolheu, mas acolheu-te no seu regaço...

Essa mãe que não sou eu...
Não é igual a mim, mas partilha o meu amor por ti...

E eu estou grata por esse amor!

💖

Um dia a minha filha disse que a mulher do pai era uma segunda mãe, o que chocou algumas pessoas. Todos os dias da mãe ela pede e eu vou comprar com ela um presente para lhe entregar. O que também choca ainda algumas pessoas.
Quem está segura do seu papel de mãe não pode sentir esta observação ou este gesto como uma ameaça, encara-a antes como uma benção.  Tudo o que posso desejar para a minha filha é que o amor incondicional que sinto por ela enquanto mãe, se estenda e se complete através do amor de outras pessoas. Isso em nada interfere e compromete o meu relacionamento com a minha filha. É antes um bónus de amor e de conexão - uma das poucas "vantagens" de viver com os pais separados. E se não encaramos isso como uma benção (quando ela existe e sei que nem sempre é assim), então o que estamos a ensinar aos nossos filhos?




segunda-feira, 1 de maio de 2017

Celebrar a vida... sempre!


Hoje celebrámos a vida com cheiro a laranja e sabor a doçura.
Aproveitámos o sol que tímido espreita, para aquecer o coração carente.
Munimo-nos de afectos e memórias, das que nos fazem sorrir para sempre!
Aconchegámos a criança de ontem e a de hoje com a mesma ternura...

Hoje o meu avô materno faria 100 anos e nós decidimos celebrar a vida!!!
Conheci-lhe a força de um dragão e a doçura do mel,
a alegria, a diversão, a coragem e a luta,
a resiliência e aceitação, quando a vida assim o pedia.

Hoje celebrámos com bolo, alegria e memórias doces. 
Assim, simples.
E porque acredito que a vida é muito mais do que vivemos por aqui,
onde estiveres avô, um foguete daqueles que só tu sabes dar!


quarta-feira, 12 de abril de 2017

Olha para mim quando falo contigo!


Sendo este um blog sobre parentalidade, seria normal pensar que a frase do título se refere às inúmeras situações em que queremos comunicar com os nossos filhos e eles viram o olhar. Não!

Hoje esta frase diz respeito a ti! E a mim, claro! Hoje esta frase é um apelo directo do teu filho, para que o olhes quando fala contigo! 

Já falámos aqui sobre como uma comunicação consciente pode reforçar a conexão e continuo a ouvir muitas "queixas" e dúvidas sobre o diálogo entre pais e filhos. A maior parte delas é de pais que dizem que os filhos não escutam ou não falam, mas hoje quero dar a perspectiva das crianças. Estudos indicam que apenas 50% das crianças com 11 anos classificam a comunicação em casa como positiva. Por volta dos 15 anos essa percentagem baixa para 30%. É um sinal muito significativo que algo na comunicação em família tem que mudar! E se nos começarmos a questionar a nós em vez de questionarmos os nossos filhos?

O meu filho não me olha quando falo com ele! - E tu olhas-lhe nos olhos quando ele fala contigo?
O meu filho está sempre distraído e não me escuta! - E tu, páras o que estás a fazer e dás-lhe plena atenção quando ele quer falar contigo?
Tenho que repetir mil vezes até me prestarem atenção! - E quantas vezes tem o teu filho que te chamar até tu prestares atenção?
O meu filho é muito fechado e não diz o que sente! - E tu permitiste essa expressão de sentimentos quando ele era pequenino? E tu? Expressas o que pensas, sentes e necessitas com clareza?
O meu filho não conversa com ninguém lá em casa! - E a família tem momentos de conversa? Como conversam os pais entre eles?
O meu filho tem uma comunicação muito agressiva! - E como é a comunicação entre os outros membros da família? Que necessidades ou emoções podem gerar esse comportamento?
O meu filho não fala mas passa horas ao telemóvel! - E quantas horas passas tu ao telemóvel?

Quando questionares como podes comunicar melhor com o teu filho, a resposta é simples: pensa como gostas que comuniquem contigo! Com conexão, próximo de ti, olhos nos olhos, com atenção e presença e sem julgamentos. 





terça-feira, 4 de abril de 2017

Quando não paras tu... a vida faz-te parar!


Empurramos a vida para a frente... porque tem que ser!
Cumprimos as rotinas, gerimos expectativas... preparamos as roupas, cozinhamos as refeições, fazemos as compras... fazemos os relatórios, respondemos aos e-mails, trabalhamos ao serão... porque tem que ser!
Queremos ser as mulheres, profissionais, esposas, mães, filhas, amigas perfeitas... porque tem que ser! 
A simples ideia de tirarmos um tempo para nós, para descansar o corpo e a mente, para nos nutrirmos, para nos cuidarmos, parece impensável e ainda causa mais stress! O cuidar de nós acaba por ficar para último na lista das nossas prioridades... ou pelo menos das nossas acções!

Não "tem que ser"! A vida é complicada, mas nós complicamos ainda mais! A vida traz-nos desafios, mas nós criamos ainda mais limites! A vida cria expectativas, mas nós preocupamo-nos demais com elas! A vida avança depressa, mas nós não vivemos o momento! A vida pede-nos para parar, mas nós arranjamos todas as desculpas para não o fazer!

Sabemos que só cuidando melhor de nós conseguimos cuidar melhor dos outros. Sabemos que parando um pouco, tudo o resto flui melhor. Mas parar é difícil.

Ontem, enquanto trabalhava um pouco no computador, a L. perguntou-me se eu tinha um tempo para me mostrar uma coisa. Guiou-me até uma zona do jardim, onde me tinha preparado um verdadeiro SPA! Lavou-me as mãos, pés e rosto com água perfumada com flores e fez uma massagem com creme hidratante. Escovou os meus cabelos e entrançou-os! E eu relaxei e deixei-me ir, aproveitando cada momento.

Sei que ando mais cansada, mais tensa e com menos paciência. Sei que o cuidar de mim não tem sido prioridade nos últimos tempos. Sei que tenho que abrandar o ritmo. E a vida mostrou-me isso!

Quando não paras tu, a vida faz-te parar! De várias maneiras e de forma mais ou menos radical e intensa! 

Eu tive a sorte da vida me lembrar que tenho que abrandar através de umas doces mãos de 11 anos a cuidar de mim...

segunda-feira, 27 de março de 2017

A mãe também chora!


Durante muito tempo disfarcei a preocupação. Nos tempos mais difíceis disfarcei a dor, o desgosto, a tristeza. Muitos foram os dias em que permitia que o choro viesse só quando ela já dormia no quarto. A mãe perfeita, a mãe forte, a mãe guerreira, a mãe sempre alegre - esse era o papel que eu vestia com a melhor das intenções, num sentido protector de não passar estes sentimentos à minha filha.

Estava convencida que o fazia bem, como se as palavras e o sorriso fossem suficientes... hoje sei que a linguagem não verbal, o meu movimento, postura, a minha energia, eram certamente tão ou mais fortes quanto as minhas palavras.

Quando um dia não consegui disfarçar o meu aborrecimento e tristeza e ela ficou "em choque" com a minha reacção, eu percebi o que andava a fazer. Descobri demasiado tarde (mas ainda a tempo!) a importância da vulnerabilidade na educação. A vulnerabilidade dela e a minha. 

A vulnerabilidade ajuda a entrarmos em contacto com os nossos desejos e sentimentos e desse modo aumenta o contacto com quem nós realmente somos. A vulnerabilidade é ainda um ingrediente fundamental na relação que temos com os outros, na medida em que aumenta a profundidade e a qualidade das conexões que criamos. 

Na semana passada, num pico de dor que não consegui disfarçar após uma pequena cirurgia, a minha filha colocou a sua mão na minha e disse-me: mamã, podes chorar! Este permitir sentir e permitir mostrar o que sinto continua a ser uma aprendizagem constante!

Continuo a focar-me na alegria, na felicidade, no positivismo e a querer preservar a minha filha das preocupações que são dos adultos, mas aprendi a a ter a coragem de ser vulnerável. Só aceitando os meus sentimentos e permitindo que eles se revelem, eu vou ajudar  a minha filha a aceitar a sua própria vulnerabilidade,  a conhecer-se melhor, a aceitar os seus sentimentos e com isso a aprender a abraçar o que é humano - nela e nos outros!

Só aceitando a própria vulnerabilidade conseguimos entender a vulnerabilidade dos outros. E isso é construir o amor. 

terça-feira, 7 de março de 2017

Este é o primeiro dia... do resto da tua vida!


Esta planta foi dada à minha filha L. pela sua professora da primária, no Natal do 1ºano. Tem um lugar especial em nossa casa e no nosso coração, porque a professora N. foi uma professora muito especial e porque cedo partiu deste mundo físico, deixando-nos saudade.

Era apenas um bolbo quando veio para as nossas mãos, mas logo revelou ser uma planta especial. Passado um tempo desenvolveu-se dando origem a estas flores maravilhosas que vemos na foto!!! Com a mudança da estação, as flores secaram completamente (assim como as folhas) dando a sensação que a planta morreu. No primeiro ano estive quase a deitar tudo fora e só não o fiz porque de facto tinha um significado muito especial para nós e tinha uma réstia de esperança que alguma raiz tivesse resistido. O vaso ficou quase esquecido no terraço até que, no início do ano seguinte, voltaram a surgir algumas folhas que entretanto cresceram e de novo floresceu! E este ciclo de "quase morte" e renascimento acontece todos os anos (já lá vão 5!).

Esta planta tomou então um significado ainda mais especial para mim! Recorda-me sempre o ciclo da vida, o ciclo dos anos, o ciclo dos dias. Nada morre, tudo se transforma. É um símbolo da esperança, da perseverança, do verdadeiro renascimento. Recorda-me que cada estação é nova, cada dia é novo, cada segundo é um novo segundo. Um símbolo daquilo que o Sérgio Godinho tão bem traduziu na expressão: "Este é o primeiro dia do resto da tua vida!"

Esta planta ensina-me a não desistir de mim nem das pessoas! O "bolbo" está lá... por vezes esquecido, seco, numa fase do ciclo de vida mais amargurada, infrutífera. Mas se não desistirmos dele, se o cuidarmos e regarmos ele floresce! Cada pessoa tem a capacidade de florescer, de mostrar o seu maior potencial, assim seja permitido.

Nas crianças isso é especialmente atroz... Quantos pais já desistiram dos filhos? Quantos professores já desistiram dos seus alunos? Quantos comentários já ouvi de "já não há nada a fazer...", "está perdido...", "é demasiado tarde"...

Que esta flor nos relembre também que dentro de cada criança há uma semente pronta a crescer e florescer. Mesmo que às vezes pareça seca. Que para isso precisa de ser cuidada, regada e que lhe dêem permissão para esse crescimento - não do modo como esperamos e projectamos, mas do modo que ela se revela.

Que esta flor que em ciclos se renova mas sempre de modo diferente, nos recorde a conseguir em cada dia olhar para a criança com "mente de principiante", com o deslumbramento da novidade, com o coração cheio de esperança, com o sentido de um dia novo.



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O Carnaval de todos os dias


Gosto muito do Carnaval! Mais o Carnaval tradicional das pequenas aldeias da minha infância do que aquele que fomos importando do Brasil, mas é de qualquer modo uma época de diversão e alegria a que gosto de assistir e que se torna por observação sempre um momento de reflexão.
Queixamo-nos das máscaras que os adultos colocam todos os dias, fingindo ser quem não são, fingindo estar como não se sentem, ocultando o que pensam, mentindo, vivendo uma vida de farsa. Sentimos até que no Carnaval, alguns têm oportunidade de na verdade retirarem as verdadeiras máscaras da vida e durante aqueles dias viverem com maior liberdade.
Na vida, colocamos a máscara da mulher/homem perfeita/o, do melhor profissional, da sra. Doutora, do super herói que nada teme, do engatatão, do que nunca falha, do campeão, da que tem uma vida perfeita, do pai/mãe perfeito/a, do que tem muito dinheiro, da que nunca grita, do que não está deprimido, do que adora o que faz, da que está sempre bem…
Colocamos estas máscaras quase inconscientemente, no intuito de corresponder à expectativa que os outros têm de nós. Algumas fomos adquirindo ao longo da vida, outras perduram desde o tempo em que éramos crianças. E sem dar conta entramos na roda-viva da farsa…
Nesta época de Carnaval, proponho-vos uma reflexão: que máscaras colocamos nós às nossas crianças?
Quando a minha filha chora de dor, tristeza ou frustração e eu lhe digo: “não chores”, “não há razão para chorar”, “isso passa” em vez de a escutar, de respeitar os seus sentimentos e de a ajudar a gerir essas emoções, que faço eu se não colocar-lhe a “máscara da forte”, mesmo quando se sente fraca, carente, desapontada, a precisar que a escutem e a entendam?
Quando o meu filho pega nas bonecas da irmã para brincar e eu digo “não podes brincar com isso porque é brincadeira de menina” ou quando insisto em vestir a minha filha de princesa quando ela só quer vestir calças, que faço eu se não colocar-lhes a “máscara do género”, impedindo que se expressem e manifestem tal como se sentem?
Quando quero e insisto para que o meu filho comece a ler e a escrever ainda antes do primeiro ano, quando o encho de atividades e não lhe deixo tempo livre de brincadeira, quando espero que o seu comportamento seja sempre calmo, respeitoso e focado, que faço eu se não colocar-lhe a “máscara de mais velho”, não o deixando ser a criança que é, com a idade que na verdade tem?
Quando chamo aos meus filhos ou aos meus alunos: preguiçoso, burro, parvo, incompetente, chato, estúpido, atribuindo rótulos a eles próprios e não aos seus comportamentos, que faço eu se não colocar-lhes “máscaras de personalidade” nas quais acreditam e que muitas vezes perduram ao longo da vida?
Quando digo à minha filha “assim não gosto de ti”, “nem pareces minha filha” ou mesmo quando a elogio ou digo que a amo apenas quando faz coisas que aprovo, que faço eu se não colocar-lhe a “máscara da expectativa” que ela vai tentar cumprir, acreditando que o meu amor é condicional? Ou muitas vezes chegando à adolescência, retirando a máscara e dando-me a sensação que na realidade já não a conheço?
Colocamos tantas máscaras nas crianças (estas e muitas outras!), que a maioria cresce sem poder ser aquilo que é de verdade, acreditando nos rótulos que lhes atribuem e comportando-se de acordo com a expectativa dos pais, dos professores, dos amigos, da sociedade.
Chegamos a adultos com uma fraca autoestima, muitas vezes disfarçada numa arrogante confiança, com vidas “facebookeanas” de bons momentos, boas fotos, relações perfeitas, quando na verdade nos perdemos no caminho…
Habituámo-nos a este (sobre)viver e nem damos conta do medo que temos de tirar as máscaras, por já não sabermos quem somos por trás delas.
Que este Carnaval seja uma oportunidade para nos divertirmos, mas também para nos (re)conhecermos, olhando ao “espelho” e refletindo nas máscaras que fomos acumulando ao longo da vida.  
Que seja também uma oportunidade de olharmos cada criança, cada filho, cada aluno, tal qual ele é e não como espero que ele seja.

Que criemos momentos de conexão. Com quem amamos. Sendo o que somos. De modo simples e sem máscaras.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Manifesto


"MASCARO OS DIAS COM PALAVRAS CUJO SIGNIFICADO EU PERDI (…) SURGE A ESCRITA: ESSA MENTIRA! (Al Berto)"

Não sei se é da época carnavalesca de máscaras, fantasias e faz de conta, esta ideia das "máscaras" que criamos para o mundo (fora da Carnaval, entenda-se!) e de como o mundo parece gostar delas, faz-me pensar...
Em vários temas, mas penso que especialmente na parentalidade, ouvimos tanto, lemos tanto, que esquecemos o principal... a nossa intuição de pai/ mãe. Sinto-me obviamente inspirada por muitas pessoas (umas conhecidas, outras não; umas com livros, outras com experiências; umas com doutoramentos, outras sem instrução mas com uma verdadeira tese de vida) e absorvo as suas palavras e deixo ficar o que me serve. 
Hoje Al Berto lembrou-me através das suas palavras qual a minha intenção naquilo que faço, naquilo que digo, naquilo que escrevo - nomeadamente neste blog! Sem máscaras!

Que o que escrevo seja aquilo que sinto e em que acredito no momento, mesmo que nem sempre o consiga praticar...
Que o que escrevo nunca seja encarado pelos outros como verdade absoluta, mas que seja uma oportunidade de reflexão...
Que o que escrevo seja sempre o resultado da minha experiência e não apenas do que ouço dizer...
Que o que escrevo seja o resultado de questionar sempre as minhas crenças, que seja uma constante aprendizagem...
Que o que escrevo nunca seja encarado como perfeição que não tenho...
Que o que escrevo me acrescente, não me diminua...
Que o que escrevo acrescente a alguém, nunca o diminua...
Que a palavra nunca me sirva de mentira...
Que nunca perca o significado do que escrevo...

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O meu pudim "mindfulness"

Esta semana, ao tentar saborear uma refeição de forma mais mindfulness, surgiu-me uma memória deliciosa...
Quando tinha os meus 7 anos, andava numa maravilhosa escola de aldeia alentejana onde, ocasionalmente, nos presenteavam com um pudim como sobremesa. O pudim era servido num prato de alumínio com fundo e fazia as minhas delícias! Quando chegava à mesa, eu pegava na colher e desenhava linhas horizontais e verticais, cortando o pudim em pequenos quadrados. Depois, comia o pudim quadradinho a quadradinho. Sentia que desta maneira saboreava melhor o pudim e parecia que "durava" mais...
Aos 7 anos não sabia nada de mindfulness nem de meditação, mas sabia apreciar mais cada momento, com mais presença e atenção. Sem saudosismo do passado nem ansiedade pelo futuro.

Na verdade, as crianças são naturalmente dotadas de mindfulness. Basta observar um bebé e a forma como o tocar um objecto, o comer um pedaço de fruta, o olhar sobre um insecto é uma verdadeira experiência sensorial única.

À medida que crescemos, vamos perdendo esta capacidade de "mente de principiante", de presença plena no aqui e agora, mas as crianças têm-na naturalmente. Como podemos estimulá-las a manter essa capacidade?
- Podemos convidá-los a ouvir os pássaros ou andar na natureza e explorar as plantas e insectos, com curiosidade. Podemos chamar-lhes a atenção ou pedir-lhes que descrevam o que vêem ou o que sentem. Evite completar os seus pensamentos, interpretá-los ou conceituá-los. Deixe a experiência ser livre, natural.
-  Podemos limitar o tempo de exposição à TV ou outras formas de entretenimento digital. Os estudos indicam que uma exposição demasiado grande a estes meios pode encurtar o tempo de atenção, aumentar a impulsividade e a hiperatividade, afectando o desenvolvimento natural do cérebro. 
- Por último e não menos importante: nós somos o exemplo! Se quero que os meus filhos vivam de forma um pouco mais presente, então eu tenho que o viver. Se eles observarem o modo como o meu dia a dia ocorre, com atenção plena e presente no momento - seja a cozinhar, seja a brincar com eles, seja a ler um livro - naturalmente irão adquirindo esta linguagem. Se observarem como reajo em situações de stress, naturalmente vão reagir de maneira idêntica.

Que o nosso dia seja saboreado em cada momento, com mente de principiante, como eu saboreava cada quadrado de pudim...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Ensinamos o respeito ou a vergonha?


O post de hoje é muito sério. Mesmo! (Em verdade, quero acreditar que todos os outros também!) E para mim é sério porque dei conta que passamos pelos dias e pelos acontecimentos muitas vezes amorfos, pouco atentos, deixando passar o que se faz há anos, só porque sim. Sei que o assunto de que vos vou falar hoje pode ter opiniões diversas, mas esta é a minha. E se de algum modo fizer reflectir, fizer questionar algumas crenças, já me dou por satisfeita!

Tive conhecimento há pouco tempo que o colégio que a minha filha frequenta (e do qual tenho muito boa opinião na abordagem geral aos alunos - daí o meu espanto) afixa, em local visível para toda a comunidade educativa (no interior do colégio), uma lista com o nome dos alunos que têm falta de repreensão ou disciplinar, com um breve resumo do acontecimento. Claro que este prática é o culminar de todo um processo (de conversa com aluno, encarregados de educação, etc) e que a intenção  que a sustenta é o facto de os outros alunos entenderem que existe alguma "justiça" e "controlo" no que acontece no ambiente escolar, para que se sintam livres mas também protegidos (e acredito eu que a intenção seja também "dar o exemplo" e evitar acontecimentos futuros).

Ao partilhar esta situação com alguns amigos, tive conhecimento que em alguns colégios esta prática é ainda mais dramática - fazem passar por todas as salas um documento que é lido a todos os alunos, explicando a falta disciplinar, o que tinha acontecido e qual o aluno em questão. Confesso-vos que estas situações só me fizeram lembrar o que se praticava antes, quando se colocava os alunos com orelhas de burro em frente a toda a sala! (Não queria acreditar, mas infelizmente acredito, que em algumas salas algo muito parecido com isto ainda acontece).

Estes colégios têm milhares de pais e daquilo que percebo muito poucos questionam esta prática. Enquanto mãe (de algum modo imparcial porque nenhum dos meus apareceu nessas listas) senti-me na obrigação de partilhar a minha opinião com o colégio (processo ainda a decorrer com alguma abertura por parte da direcção. Mesmo que o resultado seja o mesmo, a reflexão já está a existir.)

E é a minha visão sobre este tema que quero partilhar hoje convosco:

Entendo que tenha que haver, no âmbito do regulamento do colégio e do bom funcionamento do mesmo, algumas acções correctivas daquilo que são consideradas atitudes menos correctas, desrespeitadoras e desestabilizadoras. Como em qualquer casa, em qualquer empresa, em qualquer escola, estas situações têm que ser analisadas, avaliadas com cuidado (não só os comportamentos mas também as causas) e tomadas medidas que ajudem a um ambiente mais harmonioso. O que questiono não é isso. Devem haver limites, comunicados de forma clara e assertiva. Pode haver repreensão/ chamada de atenção/ consequências a determinado tipo de comportamento. No entanto, em toda a minha vida profissional aprendi que "os elogios devem ser públicos, as repreensões devem ser em privado" e com esse lema acredito obterem-se os melhores resultados. Se não fazemos isso aos adultos, porque fazemos às crianças?
A exposição "pública" das situações a outros alunos traz, na minha opinião, algumas consequências menos benéficas:
- Ao aluno que cometeu a falta, traz muitas vezes a vergonha, a exposição ao ridículo. A vergonha pode ter um efeito momentâneo de controlo do comportamento, mas não ensina ao respeito e à empatia com os outros. Existem vários estudos que indicam mesmo que a vergonha pode ser a causa subjacente a um comportamento difícil. A vergonha pode ser encarada como o julgamento de alguém com mais poder do que a criança/aluno. O que pode fazer com que recuperem esse poder perdido ao encontrar outra criança/ pessoa geralmente mais vulnerável do que eles próprios. A exposição da "penalização" aos outros, atribui ainda pensamentos e sentimentos negativos para o próprio aluno e a mesma conotação dos outros alunos em relação a este, influenciando a auto-estima do mesmo e provocando muitas vezes um ciclo comportamental negativo. Observamos ainda que em algumas crianças, esta repreensão pública traz uma vergonha, uma quebra de auto-estima e de auto-imagem, muito bem disfarçada com uma certa "vaidade" perante os outros alunos, como se a um quadro de honra pertencessem.
- À grande maioria dos restantes alunos, não creio que esta exposição os impeça de ter os seus próprios comportamentos (muitas vezes impulsivos). Mesmo aos que impede, essa atitude é obtida mais por medo do que por respeito e a minha opinião pessoal é que formamos melhores pessoas quando o comportamento é gerado por conhecer os meus limites, os dos outros e saber respeitá-los.  
Em suma, por mais que a intenção seja "boa", acredito que afixação pública traz muito mais desvantagens que benefícios (se é que tem algum!).

A quem estiver interessado, ainda mais algumas dicas:
- Existem vários estudos na área da pedagogia, psicologia, pediatria, neurologia que sustentam a minha opinião.
- Para que esta prática de afixação pública ocorra, ela deve estar incluída no regulamento dos colégios (no caso de colégios particulares) e na grande maioria das vezes é omisso ou não está exposto de forma clara
- Não é contemplada na Lei nº 51/2012 de 5 de Setembro onde pelo contrário, é indicado que o processo disciplinar do aluno é confidencial e poderá ser partilhado apenas com professores, psicólogos, Enc. de educação envolvidos no processo.
- Não é uma prática recomendada/ aceite pela Direcção Regional de Educação