“Deves
pensar que a tua filha é uma santa porque tu nunca lhe bates e eu já fui batida
muitas vezes!”
Foi esta a frase que ouvi de
uma criança de nove anos que brinca e convive frequentemente com a minha filha.
No instante achei alguma piada, mas logo interiorizei a mensagem profunda que
aquela criança estava a passar… a mim e espero eu, a quem lhe bate.
Acredito profundamente que
todas as crianças nascem com uma genuína santidade. Acredito também que não se
tornam santos ou demónios pelo número de traquinices que fazem ou pelas tareias
que apanham. Mas estremeço ao pensar que uma criança se possa sentir assim e
nas implicações que isso pode ter no seu desenvolvimento pessoal e social. E é
por isso que devemos parar e pensar naquilo que nos dizem nas entrelinhas.
Sei que o bater resulta, é
certo. A curto prazo, porque impede o “comportamento indesejável”. Inúmeros
estudos indicam que a longo prazo os efeitos não são benéficos. Existem vários,
aliás, a relacionar a punição corporal e psicológica com falhas no
desenvolvimento intelectual, atitudes irascíveis, aceitação da violência como
forma de lidar com os outros, falta de autoconfiança e de amor-próprio,
insegurança.
Bater não transmite orientação
positiva sobre como se comportar numa situação particular, apenas como não se
comportar se uma ameaça de punição estiver presente. As crianças aprendem os
motivos das suas ações pelo que ouvem, mas a prática ativa tem o impacto mais
profundo. De algum modo estamos a demonstrar aos nossos filhos que a violência
é aceitável quando os outros não fazem o que nós queremos.
Seja qual for a desculpa ou a
situação, sejamos objetivos: bater é um ato de violência. E do ponto de vista
científico e humanístico, não existe hoje em dia um argumento válido que
justifique o uso da violência contra as crianças, em nome da disciplina.
A Parentalidade é um caminho
longo e muito trabalhoso. Gasta muito da nossa energia, exige atenção,
paciência, repetição, conexão. Sei que os pais estão muitas vezes cansados,
esgotados e frustrados. Sei também que mais do que o comportamento do filho é
precisamente esse esgotamento que leva ao ponto de rutura – à palmada, ao
bater. Mas também sei, por experiência própria, que existem alternativas que
funcionam. E que é possível fornecer estrutura, regras, limites e consequências,
sem sermos violentos com os nossos filhos.
Não quero julgar quem as dá,
porque também eu já dei palmadas. Quando não conhecia outras ferramentas,
quando estava demasiado esgotada para pensar em alternativas ou por sentir pressão
do que os outros iriam pensar de mim.
Continuam, como é natural, a
surgir situações em que me dá vontade de dar algumas, mas aprendi a respirar e
a não pensar na palmada como solução. E é precisamente nesse momento de paragem
entre a ação e a minha reação, que encontro sempre uma resposta eficaz. E não
violenta.
(texto publicado originariamente em www.maespontopt.pt)
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