quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O Carnaval de todos os dias


Gosto muito do Carnaval! Mais o Carnaval tradicional das pequenas aldeias da minha infância do que aquele que fomos importando do Brasil, mas é de qualquer modo uma época de diversão e alegria a que gosto de assistir e que se torna por observação sempre um momento de reflexão.
Queixamo-nos das máscaras que os adultos colocam todos os dias, fingindo ser quem não são, fingindo estar como não se sentem, ocultando o que pensam, mentindo, vivendo uma vida de farsa. Sentimos até que no Carnaval, alguns têm oportunidade de na verdade retirarem as verdadeiras máscaras da vida e durante aqueles dias viverem com maior liberdade.
Na vida, colocamos a máscara da mulher/homem perfeita/o, do melhor profissional, da sra. Doutora, do super herói que nada teme, do engatatão, do que nunca falha, do campeão, da que tem uma vida perfeita, do pai/mãe perfeito/a, do que tem muito dinheiro, da que nunca grita, do que não está deprimido, do que adora o que faz, da que está sempre bem…
Colocamos estas máscaras quase inconscientemente, no intuito de corresponder à expectativa que os outros têm de nós. Algumas fomos adquirindo ao longo da vida, outras perduram desde o tempo em que éramos crianças. E sem dar conta entramos na roda-viva da farsa…
Nesta época de Carnaval, proponho-vos uma reflexão: que máscaras colocamos nós às nossas crianças?
Quando a minha filha chora de dor, tristeza ou frustração e eu lhe digo: “não chores”, “não há razão para chorar”, “isso passa” em vez de a escutar, de respeitar os seus sentimentos e de a ajudar a gerir essas emoções, que faço eu se não colocar-lhe a “máscara da forte”, mesmo quando se sente fraca, carente, desapontada, a precisar que a escutem e a entendam?
Quando o meu filho pega nas bonecas da irmã para brincar e eu digo “não podes brincar com isso porque é brincadeira de menina” ou quando insisto em vestir a minha filha de princesa quando ela só quer vestir calças, que faço eu se não colocar-lhes a “máscara do género”, impedindo que se expressem e manifestem tal como se sentem?
Quando quero e insisto para que o meu filho comece a ler e a escrever ainda antes do primeiro ano, quando o encho de atividades e não lhe deixo tempo livre de brincadeira, quando espero que o seu comportamento seja sempre calmo, respeitoso e focado, que faço eu se não colocar-lhe a “máscara de mais velho”, não o deixando ser a criança que é, com a idade que na verdade tem?
Quando chamo aos meus filhos ou aos meus alunos: preguiçoso, burro, parvo, incompetente, chato, estúpido, atribuindo rótulos a eles próprios e não aos seus comportamentos, que faço eu se não colocar-lhes “máscaras de personalidade” nas quais acreditam e que muitas vezes perduram ao longo da vida?
Quando digo à minha filha “assim não gosto de ti”, “nem pareces minha filha” ou mesmo quando a elogio ou digo que a amo apenas quando faz coisas que aprovo, que faço eu se não colocar-lhe a “máscara da expectativa” que ela vai tentar cumprir, acreditando que o meu amor é condicional? Ou muitas vezes chegando à adolescência, retirando a máscara e dando-me a sensação que na realidade já não a conheço?
Colocamos tantas máscaras nas crianças (estas e muitas outras!), que a maioria cresce sem poder ser aquilo que é de verdade, acreditando nos rótulos que lhes atribuem e comportando-se de acordo com a expectativa dos pais, dos professores, dos amigos, da sociedade.
Chegamos a adultos com uma fraca autoestima, muitas vezes disfarçada numa arrogante confiança, com vidas “facebookeanas” de bons momentos, boas fotos, relações perfeitas, quando na verdade nos perdemos no caminho…
Habituámo-nos a este (sobre)viver e nem damos conta do medo que temos de tirar as máscaras, por já não sabermos quem somos por trás delas.
Que este Carnaval seja uma oportunidade para nos divertirmos, mas também para nos (re)conhecermos, olhando ao “espelho” e refletindo nas máscaras que fomos acumulando ao longo da vida.  
Que seja também uma oportunidade de olharmos cada criança, cada filho, cada aluno, tal qual ele é e não como espero que ele seja.

Que criemos momentos de conexão. Com quem amamos. Sendo o que somos. De modo simples e sem máscaras.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Manifesto


"MASCARO OS DIAS COM PALAVRAS CUJO SIGNIFICADO EU PERDI (…) SURGE A ESCRITA: ESSA MENTIRA! (Al Berto)"

Não sei se é da época carnavalesca de máscaras, fantasias e faz de conta, esta ideia das "máscaras" que criamos para o mundo (fora da Carnaval, entenda-se!) e de como o mundo parece gostar delas, faz-me pensar...
Em vários temas, mas penso que especialmente na parentalidade, ouvimos tanto, lemos tanto, que esquecemos o principal... a nossa intuição de pai/ mãe. Sinto-me obviamente inspirada por muitas pessoas (umas conhecidas, outras não; umas com livros, outras com experiências; umas com doutoramentos, outras sem instrução mas com uma verdadeira tese de vida) e absorvo as suas palavras e deixo ficar o que me serve. 
Hoje Al Berto lembrou-me através das suas palavras qual a minha intenção naquilo que faço, naquilo que digo, naquilo que escrevo - nomeadamente neste blog! Sem máscaras!

Que o que escrevo seja aquilo que sinto e em que acredito no momento, mesmo que nem sempre o consiga praticar...
Que o que escrevo nunca seja encarado pelos outros como verdade absoluta, mas que seja uma oportunidade de reflexão...
Que o que escrevo seja sempre o resultado da minha experiência e não apenas do que ouço dizer...
Que o que escrevo seja o resultado de questionar sempre as minhas crenças, que seja uma constante aprendizagem...
Que o que escrevo nunca seja encarado como perfeição que não tenho...
Que o que escrevo me acrescente, não me diminua...
Que o que escrevo acrescente a alguém, nunca o diminua...
Que a palavra nunca me sirva de mentira...
Que nunca perca o significado do que escrevo...

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

O meu pudim "mindfulness"

Esta semana, ao tentar saborear uma refeição de forma mais mindfulness, surgiu-me uma memória deliciosa...
Quando tinha os meus 7 anos, andava numa maravilhosa escola de aldeia alentejana onde, ocasionalmente, nos presenteavam com um pudim como sobremesa. O pudim era servido num prato de alumínio com fundo e fazia as minhas delícias! Quando chegava à mesa, eu pegava na colher e desenhava linhas horizontais e verticais, cortando o pudim em pequenos quadrados. Depois, comia o pudim quadradinho a quadradinho. Sentia que desta maneira saboreava melhor o pudim e parecia que "durava" mais...
Aos 7 anos não sabia nada de mindfulness nem de meditação, mas sabia apreciar mais cada momento, com mais presença e atenção. Sem saudosismo do passado nem ansiedade pelo futuro.

Na verdade, as crianças são naturalmente dotadas de mindfulness. Basta observar um bebé e a forma como o tocar um objecto, o comer um pedaço de fruta, o olhar sobre um insecto é uma verdadeira experiência sensorial única.

À medida que crescemos, vamos perdendo esta capacidade de "mente de principiante", de presença plena no aqui e agora, mas as crianças têm-na naturalmente. Como podemos estimulá-las a manter essa capacidade?
- Podemos convidá-los a ouvir os pássaros ou andar na natureza e explorar as plantas e insectos, com curiosidade. Podemos chamar-lhes a atenção ou pedir-lhes que descrevam o que vêem ou o que sentem. Evite completar os seus pensamentos, interpretá-los ou conceituá-los. Deixe a experiência ser livre, natural.
-  Podemos limitar o tempo de exposição à TV ou outras formas de entretenimento digital. Os estudos indicam que uma exposição demasiado grande a estes meios pode encurtar o tempo de atenção, aumentar a impulsividade e a hiperatividade, afectando o desenvolvimento natural do cérebro. 
- Por último e não menos importante: nós somos o exemplo! Se quero que os meus filhos vivam de forma um pouco mais presente, então eu tenho que o viver. Se eles observarem o modo como o meu dia a dia ocorre, com atenção plena e presente no momento - seja a cozinhar, seja a brincar com eles, seja a ler um livro - naturalmente irão adquirindo esta linguagem. Se observarem como reajo em situações de stress, naturalmente vão reagir de maneira idêntica.

Que o nosso dia seja saboreado em cada momento, com mente de principiante, como eu saboreava cada quadrado de pudim...